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Autonomia na moda: liberdade real ou nova forma de controle?

  • Foto do escritor: Mirella Matos
    Mirella Matos
  • há 12 minutos
  • 2 min de leitura

Gilles Lipovetsky afirma que a moda contemporânea representa, antes de tudo, um avanço da autonomia individual. Diferente de outros períodos históricos marcados por códigos rígidos de vestimenta, hierarquias sociais visíveis e normas impostas de fora para dentro. Hoje, em tese, somos livres para escolher como nos vestir.


Não há mais um único modelo dominante.

Não existe um comprimento obrigatório, uma silhueta oficial, uma estética única.

A moda se fragmentou, se pluralizou, se democratizou.


Mas essa liberdade carrega uma contradição profunda.


Ao mesmo tempo em que a moda amplia as possibilidades de expressão, ela convive com novas formas de rigidez, mais sutis e, talvez por isso, mais difíceis de perceber. Não se trata mais de ditaduras explícitas, mas de pressões simbólicas, especialmente ligadas ao corpo.


Se antes o controle era externo: regras sociais claras, distinções de classe, padrões visíveis, hoje ele opera de forma interna. O indivíduo acredita escolher livremente, mas muitas vezes escolhe a partir de padrões estéticos profundamente internalizados.


Lipovetsky chama atenção para esse paradoxo:

vivemos na era da liberdade estética, mas também na era da hiperexigência corporal.


O corpo tornou-se o principal território de disciplina.

Não mais escondido, mas exposto.

Não mais moldado por espartilhos, e sim por dietas, cirurgias, filtros, performance e autocontrole constante.


A moda, que deveria ser um espaço de jogo, prazer e identidade, passa então a dialogar com uma lógica de otimização do corpo:

ser magro, jovem, saudável, produtivo, desejável.


É aqui que a autonomia prometida entra em tensão com uma nova forma de ditadura não imposta por leis ou tradições, mas por expectativas sociais, algoritmos, imagens repetidas e ideais inalcançáveis.


A grande mudança apontada por Lipovetsky não é o fim do controle, mas sua transformação.

O poder não manda mais: ele seduz.

Não obriga: inspira comparação.

Não pune diretamente: gera inadequação.


Nesse cenário, vestir-se deixa de ser apenas um ato estético e passa a ser um ato simbólico, psicológico e cultural. A pergunta central já não é “o que está na moda?”, mas:

de onde vem o meu desejo de me vestir assim?

isso expressa quem eu sou ou quem eu sinto que deveria ser?


Compreender essa contradição é fundamental para resgatar uma relação mais saudável com a moda. Autonomia não é escolher entre infinitas opções - isso, muitas vezes, apenas gera ansiedade. Autonomia real é consciência: saber por que escolhemos, de onde vêm nossos referenciais e quais narrativas estamos reproduzindo no próprio corpo.


A moda pode ser libertadora, sim.

Mas apenas quando deixa de ser uma resposta automática às exigências invisíveis e passa a ser uma extensão consciente da identidade.


Entender Lipovetsky é entender que a verdadeira lógica contemporânea talvez não esteja na tendência, mas na capacidade de habitar o próprio corpo sem submissão - nem às regras antigas, nem às novas ditaduras disfarçadas de liberdade.


Eu gosto de abrir discussões sem respostas prontas, partindo da observação e da experiência, mas buscando sempre um fundamento que conecte minha percepção a estudos e ao pensamento de outras pessoas que refletem sobre cultura, comportamento e imagem. Mais do que concluir, meu interesse é qualificar o olhar, ampliar o repertório e convidar ao diálogo. Eu acredito que quando diferentes visões se encontram, o pensamento amadurece e as escolhas se tornam mais conscientes.




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